quarta-feira, janeiro 06, 2010

episódio II

Outro dia eu estava trabalhando, sentada com meus tubinhos cheios de pensamentos e um tantinho de urina. Acho que ninguém imagina o quanto esse tipo de trabalho põe a gente pra pensar. Nesse dia, especificamente, eu tinha mais urinas do que pensamentos e achei bom, pq assim me distrairia, as horas passam mais depressa. Menos filosofia, mais trabalho.
- 1,2,3,4 mil leucócitos e uns 200 mil de hemácias... deve tá com um pedregulho nos rins, coitado. - afasto o microscópio, coço o olho, próxima amostra e PLOFT: a luz queimou.
Não preciso dizer a quantidade de palavrões que eu falei, pq aquele é o microscópio que eu uso pra trabalhar desde o dia que eu cheguei, é o que eu estou acostumada e mesmo tendo outros 3 disponíveis, insisiti em trocar a lâmpada daquele que eu estava usando.
Achei a lampadinha na gaveta, e com todo cuidado fiz a troca. Eu já tinha feito isso outras vezes, então nem foi tão difícil assim. E volto a contar bolinhas, contar num papel o quanto a outra pessoa está doente. Olhando ali células de alguém que eu não conheço, sabendo antes dela mesma que remédio ela vai ter que tomar. Que tipo de medicina é essa, que não se olha na cara de ninguém, mas pode-se descobrir de um tudo da vida da pessoa? Perdida, completamente perdida nas minhas filosofias de madrugada, nos pensamentos de tubinhos, na musica cafona que as recepcionistas ouvem, começou o cheiro de queimado. "Ah não...ele não vai pifar..."
Sim ele pifou. O microscópio eleito, o que eu tive cuidado e preferia, mesmo sem ter testado os outros, agora estava cheirando queimado. Desliguei. Respirei. Não sei consertar microscópio e mesmo que soubesse não teria tempo pra isso.
Contrariada, tirei da tomada e enrolei o fio em volta dele, com tanta pena que parecia ter morrido alguém. Teria que escolher algum daqueles outros e depois de testá-los, peguei um menos pior. Até que ele não era tão ruim, a altura era boa, mas estava um pouco desfocado, tipo TV que não pega, cheia de sombras, tive que tomar cuidado pra não contar dobrado. E assim foi, durante duas horas seguidas, até que lembrei do condensador*.
Bastou um toque de leve pra descobrir que o melhor microscópio do mundo estava o tempo todo do meu lado, sua nitidez de imagem, sua luz branca, seu foco incrível. Se eu soubesse disso antes, já estaria trabalhando com ele há muito tempo e agora, eu não largo dele por nada.

Nunca imaginei que uma luz queimada me faria enxergar melhor =)

*Condensador: sistema de lentes que alinha e focaliza a luz da lâmpada sobre a amostra. Localiza-se na parte inferior da platina. ( olha aqui )

Um comentário:

Moon Safari disse...

Adoreeei o texto Mel!